sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Contra as tramóias da direita: sustentar a Dilma Roussef (07/07/2013)

navegando pelo site de um dos, que eu considero, maiores pensadores brasileiros da atualidade, encontrei esse artigo que julgo ser muito importante para nosso processo histórico. (vale a pena ler até o fim)


"É notório que a direita brasileira especialmente aquela articulação de forças que sempre ocupou o poder de Estado e o tratou como propriedade privada (patrimonialismo), apoiada pela midia privada e familiar, estão se aproveitando das manifestações massivas nas ruas para manipular esta energia a seu favor. A estratégia e fazer sangrar mais e mais a Presidenta Dilma e desmoralizar o PT e assim criar uma atmosfera que lhes permite voltar ao lugar que por via democrática perderam.
Se por um lado não podemos nos privar de críticas ao governo do PT (e voltaremos ao tema), mas críticas construtivas, por outro, não podemos ingenuamente permitir que as transformações politico-sociais alcançadas nos últimos 10 anos sejam desmoralizadas e, se puderem, desmontadas por parte das elites conservadoras. Estas visam a ganhar o imaginário dos manifestantes para a sua causa que é inimiga de uma democracia participativa de cariz popular.
Seria grande irresponsabilidade e vergonhosa traição de nossa parte, entregar à velha e apodrecida classe política aquilo que por dezenas de anos  temos construido, com tantas oposições: um novo sujeito histórico,  o PT e partidos populares, com a inserção  na sociedade de milhões de brasileiros. Esta classe se mostra agora feliz com a possibilidade de atuar sem máscara e mostrando suas intenções antes ocultas: finalmente, pensa, temos chance de voltar e de colocar esse povo todo que reclama reformas, no lugar que sempre lhe competiu historicamente: na periferia, na ignorância e no silenciamento. Aí não incomoda nem cria caos na ordem que por séculos construimos mas que, se bem olhrmos, é ordem na desordem ético-social.
Esta pretensão se liga a algo anterior e que fez história. É sabido que com a vitória do capitalismo sobre o socialismo estatal  do Leste europeu em 1989, o Presidente Reagan e a primeira ministra Tatscher inauguraram uma campanha mundial de desmoralização do Estado, tido como ineficiente e da política como empecilho aos negócios das grandes corporações globalizadas e à lógica da acumulação capitalista. Com isso visava-se a chegar ao Estado mínimo, debilitar a sociedade civil e abrir amplo espaço às privatizações e ao domínio do mercado, até conseguir a passagem de uma sociedade com mercado para uma sociedade de puro mercado no qual tudo, mas tudo mesmo, da religião ao sexo, vira mercadoria. E conseguiram. O Brasil sob a hegemonia do PSDB se alinhou ao que se achava o marco mais moderno e eficaz da política mundial. Protagonizou vasta privatização de bens públicos que foram maléficos ao interesse geral.
Que isso foi uma desgraça mundial se comprova pelo fosso abissal que se estabeleceu entre os poucos que dominam os capitais e as finanças e a grandes maiorias da humanidade. Sacrifica-se um povo inteiro como a Grécia, sem qualquer consideração, no altar do mercado e da voracidade dos bancos. O mesmo poderá acontecer com Portugal, com a Espanha e com a Itália.
A crise econômico-financeira de 2008 instaurada no coração dos países centrais que inventaram esta perversidade social, foi consequência deste tipo de opção política. Foram os Estados que tanto combateram que os salvaram da completa falência, produzida por suas medidas montadas sobre a mentira e a ganância (greed is good), como não se cansa de acusar o prêmio Nobel de economia Paul Krugman. Para ele, estes corifeus das finanças especulativas deveriam estar todos na cadeia como criminosos. Mas continuam aí faceiros e rindo.
Então, se devemos criticar  a nossa classe política por ser corrupta e o Estado por ser ainda, em grande parte, refém da macro-economia neoliberal, devemos fazê-lo com critério e senso de medida. Caso contrário, levamos água ao moinho da direita. Esta se aproveita desta crítica, não para melhorar a sociedade em benefício do povo que grita na rua, mas para resgatar seu antigo poder político especialmente, aquele ligado ao poder de Estado a partir do qual garantia seu enriquecimento fácil. Especialmente a mídia privada e familiar, cujos nomes não precisam ser citados, está empenhada fevorosamente neste empreitada de volta ao  velho status quo.
Por isso, as demonstrações devem continuar na rua contra as tramóias da direita. Precisam estar atentas a esta infiltração que visa a mudar o rumo das manifestações. Elas invocam a segurança pública e a ordem a ser estabelecida. Quem sabe, até sonham com a volta do braço armado para limpar as  ruas.
Dai, repetimos, cabe reforçar o governo de Dilma, cobrar-lhe, sim,  reformas políticas profundas, evitar a histórica conciliação entre as forças em tensão e o oposição para juntas novamente esvaziar o clamor das ruas e manterem um status quo que prolonga  benefíciois compartilhados.
Inteligentemente sugeriu o analista politico Jeferson Miolo em Carta Maior (07/7/2013):”Há uma grave urgência política no ar. A disputa real que se trava nesse momento é pelo destino da sétima economia mundial e pelo direcionamento de suas fantásticas riquezas para a orgia financeira neoliberal. Os atores da direita estão bem posicionados institucionalmente e politicamente…A possibilidade de reversão das tendências está nas ruas, se soubermos canalizar sua enorme energia mobilizadora. Por que não instalar em todas as cidades do país aulas públicas, espaços de deliberação pública e de participação direta para construir com o povo propostas sobre a realidade nacional, o plebiscito, o sistema político, a taxação das grandes fortunas e do capital, a progressividade tributária, a pluralidade dos meios de comunicação, aborto, união homoafetiva, sustentabilidade social, ambiental e cultural, reforma urbana, reforma republicana do Estado e tantas outras demandas históricas do povo brasileiro, para assim apoiar e influir nas políticas do governo Dilma”?
Desta forma se enfrentarão as articulações da direita e se poderá com mais força reclamar reformas políticas de base que vão na direção de atender a infra-estrutura reclamada pelo povo nas ruas: melhor educação, melhores hospitais públicos, melhor transporte coletivo e menos violência na cidade e no campo."
Leonardo Boff não é filiado ao PT, é teólogo e escritor, da Comissão da Carta da Terra

fonte: http://leonardoboff.wordpress.com/2013/07/07/contra-as-tramoias-da-direita-sustentar-a-dilma-roussef/

quarta-feira, 9 de outubro de 2013

Black Blocs: A origem da tática que causa polêmica na esquerda (vale a pena ler!!!)


“O balancê, balancê. Escute o que vou te dizer. Geraldo fascista, vai se foder e leva o Cabral com você.” (Cantado por manifestantes em São Paulo)
Black blocs, lições do passado, desafios do futuro
Por Bruno Fiuza*
Especial para o Viomundo
Uma das grandes novidades que as manifestações de junho de 2013 introduziram no panorama político brasileiro foi a dimensão e a popularidade que a tática black bloc ganhou no país.
Repito: dimensão e popularidade – pois, ao contrário do que muita gente pensa, esta não foi a primeira vez que grupos se organizaram desta forma no Brasil, e muito menos no mundo.
Aliás, uma das questões que mais saltam aos olhos no debate sobre os black blocs no Brasil é a impressionante falta de disposição dos críticos em se informar sobre essa tática militante que existe há mais de 30 anos.
É claro que ninguém que conhecia a história da tática black bloc quando ela começou a ganhar popularidade no Brasil esperava que os setores dominantes da sociedade nacional tivessem algum conhecimento sobre o assunto.
Surgida no seio de uma vertente alternativa da esquerda europeia no início da década de 1980, a tática black bloc permaneceu muito pouco conhecida fora do Velho Continente até o fim do século XX.
Foi só com a formação de um black bloc durante as manifestações contra a OMC em Seattle, em 1999, que as máscaras pretas ganharam as manchetes da imprensa mundial.
Natural, portanto, que muita gente ache que a tática tenha surgido com o chamado “movimento antiglobalização” e tenha se baseado, desde o início, na destruição dos símbolos do capitalismo.
O que realmente assusta é a ignorância e a falta de disposição de se informar sobre o assunto demonstradas por certos expoentes e segmentos da esquerda tradicional brasileira.
O desconhecimento e a falta de informação levaram grandes representantes do pensamento crítico brasileiro ao extremo de qualificar a tática black bloc de “fascista”.
Ao se expressarem nesses termos, esses grandes lutadores, que merecem todo o respeito pelas inúmeras contribuições que deram à organização da classe trabalhadora no Brasil ao longo de suas vidas, caíram na armadilha de reproduzir o discurso da classe dominante diante de toda forma de contestação da ordem vigente que não pode ser imediatamente enquadrada em categorias e rótulos familiares.
Ao não compreenderem a novidade do fenômeno tentaram enquadrá-lo à força em esquemas conhecidos.
Fetichização
Essa incompreensão aparece, de cara, na própria linguagem usada tanto pela mídia conservadora quanto por certos setores da esquerda tradicional para se referir à tática black bloc.
Em primeiro lugar, usam um artigo definido e letras maiúsculas para se referir ao objeto, como se “o Black Bloc” fosse uma organização estável, articulada a partir de algum obscuro comando central e que pressupusesse algum tipo de filiação permanente.
Ora, tratar um black bloc desta forma seria o mesmo que tratar uma greve, um piquete ou uma panfletagem como um movimento.
Talvez a melhor forma de começar a desfazer os mal-entendidos sobre os black blocs seja combater a fetichização do termo.
Como chegou ao Brasil por influência da experiência americana, essa tática manteve por aqui seu nome em inglês, mas não é preciso muito esforço para traduzir a expressão.
Por mais redundante e bobo que possa parecer, nunca é demais lembrar que um “black bloc” (assim, com artigo indefinido e em letras minúsculas) é um “bloco negro”, ou seja: um grupo de militantes que optam por se vestir de negro e cobrir o rosto com máscaras da mesma cor para evitar serem identificados e perseguidos pelas forças da repressão.
Fazer isso não significa se filiar a uma determinada organização ou movimento. Da mesma forma que operários que decidem fazer um piquete para impedir a entrada de outros trabalhadores em uma fábrica em greve não deixam de fazer parte de seus respectivos sindicatos para ingressar em uma misteriosa sociedade secreta.
Eles apenas optaram por uma determinada tática de luta. É exatamente o que fazem os militantes que decidem formar um bloco negro (leia-se, “black bloc”) durante uma manifestação.
Não há dúvida de que a opção pelo anonimato e a disposição para o enfrentamento com a polícia são peculiaridades que diferenciam profundamente o bloco negro de outras táticas, mas nem por isso a opção por esse tipo de ação dá margem para confundi-la com um movimento.
Aí entramos em um segundo ponto fundamental para a discussão da tática black bloc: seus métodos. De cara, é preciso esclarecer que os próprios métodos dos black blocs mudaram ao longo do tempo e por isso é fundamental conhecer o contexto histórico, político e social em que nasceu e se desenvolveu essa tática.
A origem
Os primeiros black blocs surgiram na então Alemanha Ocidental, no início dos anos 1980, no seio do movimento autonomista daquele país.
Como o movimento autonomista europeu é muito pouco conhecido no Brasil (para não dizer completamente desconhecido), quem quiser se informar melhor sobre o assunto pode recorrer a um ótimo livro sobre o tema escrito pelo militante e sociólogo americano George Katsiaficas: “The Subversion of Politics – European Autonomous Social Movements and the Decolonization of Everyday Life”, disponível para download no site do autor (http://www.eroseffect.com).
Surgido a partir da experiência da autonomia operária na Itália dos anos 1970, o autonomismo se espalhou pela Europa ao longo das décadas de 1970 e 1980.
Um dos países onde o movimento mais se desenvolveu foi na Alemanha. Fiel ao espírito revolucionário original do marxismo, mas renegando o fetiche pelo poder das burocracias sindicais e partidárias, o autonomismo se desenvolveu como um conjunto de experimentos sociais organizados por setores que optaram por se manter à margem do modo de vida dominante imposto pelo capitalismo e criar focos de sociabilidade alternativos no seio das próprias sociedades capitalistas, mas pautados por valores e práticas opostos aos dominantes.
Na Alemanha Ocidental, o movimento autonomista surgiu no fim dos anos 1970, quando grupos começaram a organizar ações diretas contra a construção de usinas nucleares no interior do país por meio da criação de acampamentos nos terrenos onde as centrais seriam erguidas.
O mais famoso deles foi a República Livre de Wendland, um acampamento criado em maio de 1980 na cidade de Gorleben, na região de Wendland, no norte da Alemanha, onde estava prevista a construção de uma usina nuclear.
Enquanto os acampamentos antinucleares surgiam no interior da Alemanha Ocidental, em grandes cidades, como Berlim e Hamburgo, grupos de jovens e excluídos começaram a ocupar imóveis vazios e transformá-los em moradias coletivas e centros sociais autônomos.
Assim nasceram os primeiros squats alemães, inspirados pela experiência de grupos que já faziam isso havia anos na Holanda e na Inglaterra.
A mobilização contra a construção de usinas nucleares no interior e as ocupações urbanas nas grandes cidades se tornaram os dois pilares do movimento autonomista alemão.
Para os envolvidos nesses processos, a criação de espaços autônomos era uma forma de questionamento da ordem capitalista na prática, por meio da criação, no interior da própria sociedade capitalista, de pequenas ilhas onde vigoravam relações sociais opostas às vigentes no entorno dominante.
Obviamente, quando acampamentos e squats começaram a proliferar pelo país, o governo da República Federal Alemã se deu conta de que era preciso cortar pela raiz aquela agitação social.
Em 1980, lançou uma grande ofensiva policial contra acampamentos antinucleares e squats em diferentes partes do país.
A República Livre de Wendland foi desarticulada em junho, e os squats de Berlim sofreram um violento ataque policial em dezembro.
Diante da ofensiva policial, os militantes alemães se organizaram para resistir à repressão e proteger seus espaços de autonomia. Desse esforço nasceu a tática black bloc.
Durante a manifestação de Primeiro de Maio de 1980, em Frankfurt, um grupo de militantes autonomistas desfilou com o corpo e o rosto cobertos de preto, usando capacetes e outros equipamentos de proteção para se defender dos ataques da polícia.
Por causa do visual do grupo, a imprensa alemã o batizou de “Schwarzer Block” (“Bloco Negro”, em alemão).
Desse momento em diante, a presença de blocos negros se tornou um elemento constante nas ações dos autonomistas alemães, e sua função original era a de servir de força de autodefesa contra os ataques policiais às ocupações e outros espaços autônomos.
Um relato em alemão sobre o surgimento dos black blocs pode ser encontrado no seguinte endereço: http://www.trend.infopartisan.net/trd0605/t370605.html.
O caminho para Seattle
Da Alemanha, a tática se difundiu pelo resto da Europa, e, no fim dos anos 1980, chegou aos Estados Unidos, onde o primeiro bloco negro foi organizado em 1988, para protestar contra os esquadrões da morte que o governo americano financiava em El Salvador.
Uma ótima fonte sobre a história dos black blocs nos Estados Unidos é o livro “The Black Bloc Papers”, editado por David Van Deusen e Xavier Massot e disponível para download em http://www.infoshop.org/amp/bgp/BlackBlockPapers2.pdf.
Ao longo dos anos 1990, outros black blocs se organizaram nos Estados Unidos, mas a tática permaneceu praticamente desconhecida do grande público até que um bloco negro se organizou para participar das manifestações contra a OMC em Seattle em novembro de 1999.
Graças à ação desse black bloc, a tática ganhou as páginas dos grandes jornais no mundo inteiro, principalmente porque, a partir de Seattle, os black blocs passaram a realizar ataques seletivos contra símbolos do capitalismo global.
A mudança se explica pelo contexto em que se formou o black bloc de Seattle. A década de 1990 foi a era de ouro das marcas globais, quando os logos das grandes empresas se transformaram na verdadeira língua franca da globalização.
Nesse contexto, o ataque a uma loja do McDonald’s ou da Gap tinha um efeito simbólico importante, de mostrar que aqueles ícones não eram tão poderosos e onipresentes assim, de que por trás da fachada divertida e amigável da publicidade corporativa havia um mundo de exploração e violência materializado naqueles logos.
Ou seja: o black bloc de Seattle inaugurou uma dimensão de violência simbólica que marcaria profundamente a tática a partir de então.
Daquele momento em diante, os black blocs, até então um instrumento basicamente de defesa contra a repressão policial, tornaram-se também uma forma de ataque – mas um ataque simbólico contra os significados ocultos por trás dos símbolos de um capitalismo que se pretendia universal, benevolente e todo-poderoso. Foi nesse contexto que a tática chegou ao Brasil.
Os primeiros black blocs no Brasil
Os acontecimentos de Seattle levaram grupos de militantes brasileiros a se articular em coletivos para construir no país o movimento de resistência mundial à globalização neoliberal. Assim surgiram os núcleos brasileiros da Ação Global dos Povos, uma rede de movimentos sociais surgida em 1998 que criou os Dias de Ação Global, articulações mundiais para organizar protestos simultâneos em várias partes do planeta contra as reuniões das instituições internacionais que sustentavam a globalização neoliberal.
O primeiro Dia de Ação Global que contou com ações no Brasil foi 26 de setembro de 2000, marcado contra a reunião do FMI em Praga. Neste dia, em São Paulo, um grupo de manifestantes atacou o prédio da Bovespa, o que gerou confronto entre policiais e ativistas. Na época, o incidente não ganhou destaque na imprensa e o termo “black bloc” não foi mencionado, mas a lógica da ação desses militantes, em sua maioria ligados ao movimento anarcopunk de São Paulo, seguia a lógica da tática black bloc.
O segundo Dia de Ação Global que contou com atos no Brasil foi 20 de abril de 2001. Em São Paulo, foi organizada uma manifestação na Avenida Paulista como parte dos protestos convocados em todo o mundo contra a Cúpula das Américas, reunião realizada na cidade de Quebec, no Canadá, na qual líderes dos países do continente discutiram a criação da Área de Livre Comércio das Américas (Alca). Esta foi a primeira vez que uma manifestação contra a globalização neoliberal realizada no Brasil ganhou as manchetes da imprensa nacional.
Em São Paulo, um grupo entre os manifestantes adotou a mesma tática do black bloc de Seattle, em 1999, e atacou símbolos capitalistas na Avenida Paulista, como uma loja do McDonald´s. Mais uma vez, a imprensa nacional não fez referência ao termo “black bloc”, mas a tática utilizada na Paulista foi claramente a dos blocos negros. O curioso é que a mesma edição de 21 de abril de 2001 da Folha de São Paulo que noticia o protesto na Paulista traz uma matéria do enviado do jornal ao Canadá sobre o “bloco de preto” que atuou em Quebec.
O debate sobre a violência
Mas se nessa época a imprensa brasileira não usava o termo “black bloc” na cobertura dos protestos no país, ele já era bem conhecido da mídia internacional, principalmente da europeia e da norte-americana.
E ganhou ainda mais projeção durante as manifestações contra a reunião do G8 realizada em Gênova, na Itália, em julho de 2001.
O Dia de Ação Global marcado para 20 de julho de 2001 foi a maior mobilização do gênero até então e nesse dia as ruas de Gênova foram tomadas por mais de 300 mil pessoas, entre as quais marchou o maior black bloc organizado até então.
O grau de confronto com a polícia atingiu um novo patamar e um jovem italiano que fazia parte daquele black bloc, chamado Carlo Giuliani, foi morto pela repressão com um tiro na cabeça.
Gênova marcou um divisor de águas para a tática black bloc e para o chamado “movimento antiglobalização” como um todo.
Assim como acontece hoje no Brasil, o debate sobre o uso da violência nas manifestações – mesmo que apenas contra lojas e outros objetos inanimados – criou uma divisão entre ativistas “violentos” e “pacíficos” que contribuiu muito para a desmobilização do movimento como um todo dali para frente.
A semelhança do debate sobre o black bloc na época e agora é impressionante.
Quem quiser conhecer um pouco das discussões e das respostas de adeptos da tática black bloc na época pode encontrar uma boa seleção de textos de ativistas reunidos na coletânea “Urgência das ruas – Black block, Reclaim the Streets e os Dias de Ação Global”, organizada por um anônimo que se identifica como Ned Ludd (referência a um dos líderes do Movimento Ludita na Inglaterra do século XIX) e publicada no Brasil pela editora Conrad.
Com o fim dos grandes protestos contra a globalização neoliberal, o debate sobre os black blocs saiu das manchetes da grande imprensa internacional e brasileira.
A tática continuaria a ser adotada em manifestações na Europa e nos Estados Unidos nos anos seguintes, e militantes libertários no Brasil certamente sabiam muito bem o que eram os black blocs, mas o tema nunca repercutiu fora dos meios militantes.
E assim foi até que começaram as manifestações contra o aumento das tarifas de ônibus e metrô convocadas pelo Movimento Passe Livre em junho de 2013.
As manifestações de junho
Assim como os black blocs, o MPL estava longe de ser uma novidade no Brasil, mas, pela primeira vez, ambos começaram a ganhar um protagonismo inédito conforme as manifestações cresciam.
Até o dia 13 de junho, aquela era uma mobilização muito parecida com as que o MPL vinha organizando desde 2004.
Era um movimento restrito a um núcleo militante que reunia ativistas do próprio MPL, integrantes de partidos e coletivos libertários – alguns dos quais formaram black blocs durante os atos.
A violência policial contra a marcha do dia 13 de junho em São Paulo, no entanto, mudou tudo.
Os ataques contra jornalistas e jovens da classe média e da elite indignaram uma parcela da população normalmente avessa à militância política.
O choque diante da brutalidade da PM de São Paulo e a simpatia por uma causa que se tornou quase uma unanimidade – barrar o aumento das tarifas do transporte público na cidade – “levaram o Facebook para a rua”, para usar a feliz expressão que o jornalista Leonardo Sakamoto usou para definir a marcha de 17 de junho.
De repente, centenas de milhares de brasileiros se deram conta de que podiam, de alguma forma, usar as ruas para expressar sua insatisfação com algum aspecto da política brasileira.
Em um desses raros momentos da história nacional, o cidadão comum percebeu que a política não é propriedade privada dos políticos profissionais, e se deu conta de que ela se faz no dia a dia, na rua, em vários lugares. De vez em quando, até no Congresso.
As manifestações de 17 de junho abriram a caixa de Pandora, e gente de absolutamente todas as tendências políticas foi para a rua. Por um breve momento, a elite mais reacionária marchou ao lado do militante mais revolucionário. Mas em algum momento a contradição teria de aparecer.
As contradições de junho
A partir de agora, minhas observações se restringem ao que aconteceu na cidade de São Paulo, pois foi o único lugar onde acompanhei as manifestações in loco, e não acho que os movimentos nas várias partes do Brasil possam ser analisados sob uma única perspectiva.
Em cada cidade ou região teve especificidades que não sou capaz de avaliar.
Quem esteve na Paulista no dia 18 de junho já podia farejar, de certa forma, o que aconteceria no dia 20.
Aquilo era a Revolução Francesa. As reivindicações mais contraditórias conviviam nos cartazes empunhados por grupos sociais muito diferentes entre si, muitos deles antagônicos.
O pessoal das bandeiras verde-amarelas e dos slogans moralistas era claramente uma elite que tinha pouco ou nada a ver com os anarquistas e trotskistas que circulavam com palavras de ordem anticapitalistas.
A direita, a extrema-direita e a extrema-esquerda já estavam ali. Faltava a esquerda moderada, dos partidos no poder. E, quando ela apareceu, a bomba-relógio explodiu.
Pode-se acusar o PT de muitas coisas por ter convocado sua militância a ir para a Paulista no dia 20 de junho, mas uma coisa é certa: aqueles militantes tinham todo o direito de estar lá.
O problema é: vai explicar isso para a elite raivosa que, estimulada pelas mobilizações, passou a expor em praça pública seu ódio pelo PT…
Olhando em retrospecto, o ataque fascista aos militantes partidários no dia 20 de junho parece um desdobramento natural do que vinha acontecendo: com a revogação do aumento das tarifas, a única bandeira que unificava aquela multidão de opostos deixou de existir.
Sem o elemento unificador, apareceram as profundas contradições que já existiam entre os inúmeros grupos que saíram às ruas.
A elite queria a cabeça do governo do PT, a extrema-esquerda queria a revolução social, e, espremida entre os dois extremos, sobrou para a esquerda moderada o papel de defender o status quo, sobrou para a esquerda moderada a posição conservadora – no mais literal sentido da palavra.
Os meses seguintes só vieram confirmar a tendência que apareceu pela primeira vez no 20 de junho em São Paulo.
A grande mobilização que prometia unificar todos os setores da esquerda para responder ao ataque fascista virou um ato dominado pelas centrais sindicais e seus militantes profissionais, no dia 11 de julho, que foi incapaz de atrair o cidadão comum que saíra às ruas em junho.
As convocatórias da direita contra a corrupção se tornaram pequenos atos isolados, dissipando o medo de alguns militantes da esquerda de que as manifestações de junho pudessem abrir caminho para uma escalada fascista.
Por fim, a extrema-esquerda se deu conta de que o mar humano que saiu às ruas em junho não era tão anticapitalista assim, e passou a organizar também seus atos isolados.
Essas três tendências ficaram claras nas manifestações do 7 de setembro em São Paulo.
Pela manhã, marcharam os movimentos sociais ligados à esquerda moderada, que, em sua maioria, continuam defendendo o governo do PT.
À tarde, duas convocatórias distintas dividiram o vão livre do Masp: de um lado, um grupo formado pela elite de direita e extrema-direita, que era, supostamente, contra todos os partidos, mas que destilava seu ódio de classe contra o PT; do outro, um black bloc que também se dizia contra todos os partidos, mas que mirava prioritariamente no governo Alckmin, do PSDB.
Os black blocs no Brasil de hoje
Isso nos traz de volta ao nosso tema central: os black blocs.
Aqui é preciso abrir um pequeno parêntese para falar do Rio de Janeiro, pois este foi o único lugar em que os protestos de fato continuaram com força depois da revogação do aumento das passagens.
Acontece que, além da tarifa, lá havia outra bandeira que unificava o movimento: a oposição ao governador Sérgio Cabral.
E talvez seja por isso mesmo que lá os black blocs tenham se tornado mais fortes e atuado de forma mais coerente.
Vale lembrar que o movimento contra Sérgio Cabral girou em torno de uma ocupação urbana – o acampamento montado em frente à residência do governador – e, não por acaso, os black blocs cariocas desempenharam um importante papel de autodefesa do movimento contra a repressão policial.
Ou seja: justamente no momento em que caiu na boca do povo no Brasil, a tática black bloc estava voltando às origens, atuando como uma organização popular de defesa dos movimentos sociais.
Na minha opinião, a situação no Rio ajuda a explicar porque em São Paulo os black blocs nunca chegaram a contar com o apoio que tiveram na capital fluminense.
Em São Paulo, a partir do fim de julho os black blocs se formaram como uma força isolada, inicialmente em solidariedade aos cariocas, e depois lançando uma campanha contra o governador paulista, Geraldo Alckmin.
Ao se voltar contra Alckmin, os black blocs paulistas poderiam se articular com a esquerda moderada, por terem um inimigo comum, mas a incompreensão mútua impossibilitou a aproximação.
E aqui chegamos ao x da questão: a desconfiança mútua entre duas culturas militantes distintas, mas que compartilham muitos objetivos, está acabando com as possibilidades de aproveitar a incrível energia social gerada pelas manifestações de junho para construir novos espaços de debate e mobilização que poderiam abrir perspectivas inéditas de ação política no Brasil.
Não se trata aqui de querer apagar as diferenças entre a cultura de militância partidária – baseada na hierarquia, na centralização e na estabilidade – e a cultura libertária que está na base da tática black bloc – horizontal, descentralizada e instável – mas de propor que, apesar de suas diferenças, estes dois setores podem trabalhar juntos em prol de causas que os unem.
Por uma assembleia das ruas
O ponto de partida para essa aproximação é o diálogo aberto entre as partes, reconhecendo as diferenças e os equívocos de parte a parte, mas buscando achar formas de cooperação que respeitem as especificidades de cada um.
Os momentos em que os black blocs foram mais fortes foram justamente aqueles em que atuaram no seio de movimentos mais amplos, que englobavam grupos com táticas muito diferentes, todos lutando por causas comuns.
E esta é, na minha opinião, uma das fraquezas dos black blocs hoje (pelo menos em São Paulo): uma certa fetichização da tática, tomando a formação de blocos negros como um fim em si mesmo.
Olhando para a história dos black blocs, me parece que os melhores momentos dessa tática foram quando ela serviu de instrumento para um movimento mais amplo.
E esses momentos foram marcados por avaliações de que tipo de ações serviam mais aos fins buscados.
Por exemplo: a condenação, a priori, da destruição de propriedade privada corporativa me parece absurda por parte de qualquer um que sonhe com uma sociedade mais igualitária.
No entanto, cabe questionar, sim, se essa tática é a mais acertada em um determinado momento da luta.
O ataque contra símbolos das grandes corporações globais promovido pelo black bloc de Seattle fazia todo sentido no seio de um grande movimento que desafiava, justamente, o poder dessas grandes corporações.
Mas será que o simples ataque a agências bancárias e concessionárias de carros de luxo faz sentido em mobilizações que não passam de algumas centenas de pessoas sem uma bandeira clara, em uma São Paulo cuja população tende a repudiar esse tipo de ação? Para que serve essa ação?
Os black blocs têm força social suficiente para sustentar uma mobilização sem buscar apoio de outros setores? Na minha opinião, a resposta para todas essas perguntas, hoje, é “não”.
Por outro lado, as organizações tradicionais da esquerda, como partidos e sindicatos, claramente não estão conseguindo se sintonizar com as pessoas que saíram às ruas em junho justamente por insistirem em restringir suas mobilizações aos seus próprios quadros, olhando com desconfiança para qualquer um que não seja filiado a uma organização formal.
Ao fazerem isso, reproduzem no nível da rua a mesma lógica de quem está no poder: a ideia de que a política é um assunto para iniciados e especialistas, da qual só podem participar aqueles devidamente credenciados por organizações estabelecidas, sejam elas partidos, sindicatos ou movimentos sociais.
Ora, foi justamente isso que levou as pessoas às ruas em junho: a revolta contra o distanciamento entre aqueles que formulam a política e aqueles que apenas sofrem suas consequências.
Os gritos histéricos de “sem partido” podiam ter uma conotação fascista em alguns casos, mas eles também expressavam esse mal-estar profundo de uma política que se vê como cada vez mais autônoma do resto da população.
O grito de junho foi, acima de tudo, um grito contra o autismo da política institucional no Brasil – e nesse autismo se incluem absolutamente todos os partidos com alguma representação parlamentar (com exceção, talvez, do PSOL, cujos militantes estavam nas ruas desde o começo).
Foi um grito contra o abismo que existe entre a política institucional e o cidadão comum, criado por políticos profissionais (de todos os partidos) que colocam o jogo da politicagem acima da defesa de bandeiras concretas de interesse da população.
Nesse sentido, mesmo o combate à corrupção, que em geral tem um viés claramente conservador, se torna parte de uma crítica mais ampla a um sistema representativo que, cada vez mais, é ditado apenas pelos interesses dos representantes, e não dos representados.
Ao insistir em mobilizações restritas aos iniciados, as organizações tradicionais da esquerda reproduzem a barreira que afasta o cidadão comum da política, e por isso são hostilizadas por aqueles que se sentem excluídos da política.
Os black blocs, por outro lado, oferecem justamente o contrário: a possibilidade de qualquer cidadão participar da mobilização política sem necessidade de filiação prévia.
Enquanto partidos e sindicatos são vistos como uma porta fechada para os não iniciados, os black blocs são vistos como uma porta aberta para a política.
Disso decorre, em grande parte, a atração que vem exercendo sobre muitos jovens que estão saindo às ruas pela primeira vez na vida.
Muitas vezes essa distinção leva alguns a se apegarem a um fetiche que opõe “velhas” e “novas” formas de organização, como se fossem irreconciliáveis.
A pergunta mais importante hoje, na minha opinião, é: seria possível romper com essa visão binária e criar espaços onde as diferentes lógicas pudessem dialogar?
Acredito sinceramente que sim. Até porque isso já aconteceu no passado.
Em Gênova, por exemplo, o black bloc optou por marchar ao lado dos Comitês de Base (Cobas) dos sindicatos italianos; na Alemanha, os black blocs muitas vezes marcharam ao lado dos sindicados no Primeiro de Maio; e, aqui mesmo no Brasil, lembro perfeitamente de militantes do PSTU que participavam das reuniões da Ação Global dos Povos para a organização dos atos em São Paulo.
Ou seja: o que nos falta são espaços de articulação que abram espaço para o diálogo entre culturas militantes distintas, mas que compartilham certos objetivos.
O que nos falta é um fórum de lutas, uma assembleia das ruas.
Um espaço assim, que não fosse controlado por nenhuma organização, mas que estivesse aberto aos militantes de qualquer organização e a quem não é filiado a nenhuma delas, poderia servir de convite à participação dos não iniciados e agregar a experiência dos iniciados, abrindo a possibilidade de diminuir a desconfiança mútua e abrir caminho para uma cooperação entre grupos que adotam táticas distintas, mas que podem ser complementares.
Outra condição fundamental para que um espaço assim pudesse florescer é que não se pautasse pela lógica eleitoral.
Uma das razões do desgaste da política institucional no Brasil (e em várias outras partes do mundo) é a necessidade de reduzir todas as discussões ao calendário eleitoral.
Uma verdadeira assembleia das ruas seria um espaço de discussão e formulação de um projeto popular para a cidade, para o estado e para o país, que articulasse seus integrantes em torno de bandeiras comuns, mas que não se colocasse a serviço de campanhas eleitorais de A,B ou C.
Um espaço que pudesse se tornar um poder constituinte da multidão, definindo o que o povo quer do seu governo. Caberia ao governo de turno, a partir daí, lidar com essas demandas.
Os zapatistas, no México, já nos forneceram um modelo desse tipo de organização ao lançarem, em 2006, sua “Outra campanha”, uma mobilização nacional que pretendia ir além do calendário eleitoral e formular um verdadeiro projeto popular independente das ambições dos partidos da ordem.
É claro que em um espaço como esse a participação de militantes partidários e sindicais seria mais do que bem vinda, mas sempre como indivíduos, e não como representantes de suas organizações, o que exigiria daqueles mais acostumados com as formas tradicionais de militância um esforço para abrir mão da ambição de ditar a linha política a ser seguida por todos os participantes dessa articulação.
Por outro lado, exigiria dos adeptos da tática black bloc um esforço para coordenar suas ações com as dos demais grupos, muitas vezes se abstendo de realizar ataques ao patrimônio público e privado quando esse tipo de ação puder comprometer outros grupos que adotam táticas distintas.
Acredito, sinceramente, que a criação de um espaço plural como este poderia diminuir o fosso entre a “velha” e a “nova” esquerda e abrir novas e estimulantes perspectivas para a luta popular no Brasil.
Mas, para isso, seria preciso um exercício de compreensão mútua que fosse além dos preconceitos e buscasse aprender a respeitar a diferença e a diversidade, vendo nela não uma fraqueza, mas uma força do movimento.
*Bruno Fiuza é jornalista, historiador e mestrando em História Econômica na Universidade de São Paulo


publicado em 8 de outubro de 2013 às 8:49

terça-feira, 6 de agosto de 2013

A ansiedade tucana e as escolhas do futuro (Por Saul Leblon)


No ciclo de governos do PT, quatro em cada cinco municípios brasileiros (80% do total), viram diminuir a desigualdade de renda entre seus habitantes, diz o Ipea. Na década tucana, ao contrário, a desigualdade aumentou em 58% das cidades brasileiras .Entender a lógica dominante nos anos 90, e o seu custo, ajuda a clarear as escolhas do novo ciclo que se avizinha. Por Saul Leblon
Na semana passada, quando o Pnud lançou o Atlas do Desenvolvimento Humano do Brasil, mostrando a queda da desigualdade entre municípios e regiões brasileiras, o tucano Fernando Henrique Cardoso apressou-se em postar no Facebook uma interpretação ansiosa dos fatos.
“Verdades da História sempre vencem a propaganda política populista", sentenciou o imortal, que já nasceu convencido da posteridade.
"Entre 1991 a 2000, período que contempla o lançamento e a consolidação do Plano Real, o IDHM cresceu 24,4%", destacou o PSDB; "Já entre 2000 e 2010, década marcada pela chegada do lulismo ao poder, a evolução foi de 18,8%".
Franco Montoro, para citar um político próximo aos tucanos, dizia que as ‘verdades ‘ estatísticas envolvem ciladas.
A média de consumo de frango entre duas famílias – uma pobre, que passa fome, e a rica, que come quatro galetos no almoço – é de dois frangos, dizia.
A ‘vantagem’ evocada por FHC incorre em outro truque correlato: nada informa sobre a base de comparação de seu presumido ‘feito’.
Recapitulemos o ponto do qual partiu FHC.
Os anos 80 impuseram aos países da América Latina uma expropriação de recursos de intensidade equivalente ao escalpo extraído da Alemanha pelo Tratado de Versalhes, nos anos 30, que pavimentou o chão do nazismo.
Conhecida como a década perdida, ela despejaria uma tempestade perfeita sobre o Brasil.
A explosão dos juros norte-americanos, o segundo choque do petróleo, a crise da dívida externa, o colapso da ditadura e a hiperinflação reduziriam o país a uma montanha desordenada de ruínas sociais e econômicas .
Entre 1980 e 1990, o Brasil desembolsou mais de US$ 200 bilhões no pagamento de juros, sem receber nenhum dinheiro novo, exceto rolagens.
E o saldo, todavia, não parou de crescer.
Indexada a taxas de juros flutuantes –que saltaram da média anual de 7,5% em 1977, para 20,18%, em 1980 – a dívida externa brasileira passou de US$ 43,5 bilhões, em 1978, para três vezes mais na década seguinte.
O crescimento médio do PIB foi de 1,3% no período.
Insuficiente até mesmo para responder ao crescimento demográfico, que avançou 2% ao ano.
Ao final do pastejo financeiro dos anos 80, a renda brasileira per capita havia regredido 9%.
O ‘ajuste’ custaria ao país uma transferência aos credores da ordem 15% do PIB. Um sacrifício que não foi rateado simetricamente.
A renda dos 20% mais pobres caiu 25,9% entre 1981/89.
A dos 10% mais ricos cresceu 14%
A fatia apropriada pelos salários na renda do país recuaria para 38% no final a década, contra 50% em 1980 (hoje é da ordem de 49%)
Os endinheirados que formam os 10% mais ricos da sociedade terminaram os anos 80 com 53% da riqueza nacional nas mãos (a média era de 25% em 40 países listados pelo Banco Mundial, incluindo-se Índia e Bangladesh).
Foi sobre essa terra arrasada que se deu o avanço do IDH na era tucana.
Num quadro de descontrole de preços e mergulho da renda, a mera ruptura da hiperinflação – iniciativa importante deflagrada no governo Itamar Franco – já seria suficiente para alterar positivamente o IDH urbano.
Mas não para instalar uma nova dinâmica de crescimento, com redução da desigualdade.
A taxa real de juros no primeiro governo FHC foi de 22%, em média.
O arrocho monetário e não a distribuição de renda foi a pedra de toque da estabilização adotada pelo governo tucano, que também serviu à atração de capitais especulativos, um requisito ao equilíbrio das contas externas, atropeladas pela fantasia do Real forte (RS 1 = US 1).
A derivação dessa macroeconomia é conhecida: desmonte industrial , desequilíbrio fiscal e desemprego.
Fica difícil localizar a 'verdade histórica' que, segundo FHC, teria feito justiça ao esticão distributivo promovido em seu governo.
Novas tabulações do Ipea, divulgadas pelo ‘Estadão’, neste domingo, acrescentam dados que ajudam a entender as forças que agiram, de fato, para a queda da desigualdade evidenciada no Atlas do Desenvolvimento Humano, do Pnud.
Conforme o diário conservador, que tem FHC como um de seus articulistas, o rendimento domiciliar per capita cresceu 63% acima da inflação na média dos 5.565 municípios brasileiros, entre 2000 e 2010.
No ciclo de governos do PT, quatro em cada cinco municípios brasileiros (80% do total), viram diminuir a desigualdade de renda entre seus habitantes .
‘O fato é ainda mais relevante porque reverteu uma tendência histórica’, admite o jornal.
Qual tendência?
A do aumento da desigualdade em 58% das cidades brasileiras na década de 90, quando FH dirigia o país.
De acordo com o Ipea, o rendimento médio dos 10% mais ricos cresceu 60%, na média de todos os municípios entre 2000 e 2010.
Mas a renda dos 20% mais pobres de cada município cresceu quase quatro vezes mais rápido : 217% no período.
A distância que separava o topo da base recuou: quase um terço em dez anos.
Naturalmente, persistem desníveis abissais.
Mas a dinâmica instalada entre 2000/2010 operou – e ainda opera – no sentido de uma maior convergência.
Quando o PT assumiu a Presidência do Brasil, a diferença de renda entre os 10% mais ricos e os 20% mais pobres equivalia a 26 vezes.
Em 2010, havia recuado para 18 vezes.
O passado não passa se não for bem compreendido.
O Brasil vive uma nova transição de ciclo de desenvolvimento, na qual a sociedade terá que definir, em breve, as balizas dessa travessia.
Entender a lógica dominante nos anos 90, e o seu custo, ajuda a clarear essas escolhas.
Não se trata de pinimba ideológica: trata-se do futuro. E a memória é um pedaço dele.
Publicado em Agência Carta Maior

segunda-feira, 5 de agosto de 2013

PT. Decepçao - Perdão de Sobrinho, a gota d'água

acredito que o projeto do PT seje um dos melhores para o país, ou ao menos para a classe trabalhadora, no entanto, é triste ver que o príncipe (maquiavel) esta sendo seguido a risca e a única coisa importante neste momento é conservar o poder (ou no caso de Porto Velho -RO, voltar ao poder). sinto pelo fato dos principios éticos e morais estarem sendo jogados na lama ao se apoiar companheiros corruptos comprovados e deixar de lado o clamor de toda a população que clama por justiça diante do quadro de total corrupção na política. todos sabem que o companheiro absolvido(de ser EXPULSO do partido) e apenas censurado(Roberto Sobrinho) chegou ao ponto extremo de traição financiando um amigo de outro partido e deixando de apoiar a campanha de uma grande companheira na esfera política de Rondonia. Já fui militante, sou ex semanirista e sinto um golpe tremendo quando vejo pessoas que deveriam estar a favor da justiça se voltarem apenas para interesses meramente políticos quando não pessoais. desta forma estou deixando de lado meu apoio ao PT. Sei que valho apenas um voto, mas não esquentarei mais a cabeça defendendo um partido que como provado muitas vezes não esta mais a serviço da classe trabalhadora e honesta. tenho plena cosciencia de que apesar de ser apenas um único voto, este pode fazer uma grande diferença nas urnas. Nas próximas eleições apoiarei companheiros sem olhar legenda, já que pelo visto, toda a ideologia foi por lama a baixo rstando apenas como único objetivo vencer as eleições sem se importar com a honestidade e principios éticos de quem vai concorrer.

sábado, 27 de julho de 2013

O que o Papa Francisco trouxe até agora de novo 26/07/2013


  É arriscado fazer um balanço do pontificado de Francisco pois o tempo decorrido não é suficiente para termos uma visão de conjunto. Numa espécie de leitura de cego que capta apenas os pontos relevantes, poderíamos elencar  alguns pontos.

1.Do inverno ecclesial à primavera: saimos de dois pontificados que se caracterizaram pela volta à grande disciplina e pelo controle das doutrinas. Tal estratégia criou uma espécie de inverno que congelou muitas iniciativas. Com o Papa Francisco, vindo de fora da velha cristandade européia, do Terceiro Mundo, trouxe esperança, alívio, alegria de viver e pensar a fé crista. A Igreja voltou a ser um lar espiritual.
         2.De uma fortaleza à uma casa aberta: Os dois Papas anteriores passaram a impressão de que a Igreja era uma fortaleza, cercada de inimigos contra os quais devíamos nos defender, especialmente o relativismo, a modernidade e a pós-modernidade. O Papa Francisco disse claramente: “quem se aproxima da Igreja deve encontrar as portas abertas e não fiscais da afândega da fé; “é melhor uma Igreja acidentada porque foi à rua do que uma Igreja doente e asfixiada porque ficou dentro do templo”. Portanto mais confiança que medo.
         3.De Papa a bispo de Roma: Todos os Pontífices anteriores se entendiam como Papas da Igreja universal, portadores do supremo poder sobre todos as demais igrejas e fiéis. Francisco prefrere se chamar bispo de Roma, resgatando a memória mais antiga da Igreja. Quer presidir na caridade e não pelo direito canônico, sendo apenas o primeiro entre iguais. Recusa o título de Sua Santidade, pois diz que “somos todos irmãos e irmãs”. Despojou-se de todos os títulos de poder e honra. O novo Anuário Pontifício que acaba de sair  cuja página inicial deveria trazer o nome do Papa com todos os títulos, agora aparece apenas assim: Francesco, bispo de Roma.
         4.Do palácio à hospedaria: O nome Francisco é mais que nome; sinaliza um outro projeto de Igreja na linha de São Francisco de Assis: “uma Igreja pobre para os pobres” como disse, humilde, simples, com “cheiro de ovelhas” e não de flores de altar. Por isso deixou o palácio papal e foi morar numa hospedaria, num quarto simples e comendo junto com os demais hóspedes.
         5.Da doutrina à prática: Não se apresenta como doutor mas como pastor. Fala a partir da prática, do sofrimento humano, da fome do mundo, dos imigrados da África, chegados à ilha de Lampedusa. Denuncia o fetichismo do dinheiro e o sistema financeiro mundial que martiriza inteiros países. Desta postura resgata as principais intuições da teologia da libertação, sem precisar citar o nome. Diz:”atualmente, se um cristão não é revolucionário, não é cristão; deve ser revolucionário da graça”. E continua:”é uma obrigação para o cristão envolver-se na política, pois a política é uma das formas mais altas da caridade”. E disse à Presidenta Cristina Kirchner:”é a primeira vez que temos um Papa peronista” pois nunca escondeu sua predileção pelo peronismo. Os Papas anteriores colocavam a política sob suspeita, alegando a eventual ideologização da fé.
         6.Da exclusividade à inclusão: Os Papas anteriores enfatizaram, especialmento Bento XVI a exclusividade da Igreja Católica, a única herdeira de Cristo fora da qual corre-se risco de perdição. O Francisco, bispo de Roma, prefere o diálogo entre as Igrejas numa perspectiva de inclusão, também com as demais religiões no sentido de reforçar a paz mundial.
         7. Da Igreja ao mundo: Os Papas anteriores davam centralidade à Igreja reforçando suas instituições e doutrinas. O Papa Francisco coloca o mundo, os pobres,  a proteção da Terra e o cuidado pela vida como as questões axiais. A questão é: como as Igrejas ajudam a salvaguardar a vitalidade da Terra e o futuro da vida?
         Como se depreende, são novos ares, nova música, novas palavras para velhos problemas que nos permitem pensar numa nova primavera da Igreja.

Leonardo Boff é teólogo e autor de Francisco de Assis e Francisco de Roma, Editora Mar de Ideias, Rio 2013.

sexta-feira, 26 de julho de 2013

Ser e ter mais médico, eis a questão (Por Pe. Tom)

O tema está no debate público e teve um duro movimento no último dia 19 quando o Conselho Federal de Medicina ajuizou ação civil pública para suspender o “Programa Mais Médicos”, já disparado pelo governo federal, e que recebeu na primeira semana a inscrição de 11.701 médicos, de 753 municípios. Apenas 2.335 formados no exterior. 915 estrangeiros. 

O programa foi criado para suprir a falta de médicos em regiões carentes, de alta vulnerabilidade social, onde o número de profissionais por 1.000 habitantes está longe de alcançar a média nacional, de 1,8 médicos. 

Nada menos do que 22 dos 26 estados mais o Distrito Federal estão abaixo dessa média. No Brasil das muitas diferenças e desigualdades, Rondônia tem 1,02 para cada mil, e há municípios, como São Francisco do Guaporé, em que essa realidade é mais desigual: 0,06 médico para cada mil moradores. 

A oposição da classe médica à decisão do governo de contratar profissionais do exterior caso não consiga êxito com brasileiros dentro das metas do “Mais Médicos” surgiu antes mesmo de se formatar o programa, quando o médico Alexandre Padilha, ministro da Saúde, anunciou tão somente a possibilidade de trazer profissionais de Cuba, excelência em medicina preventiva, elogiada em todo o mundo. 

Médicos que, por sua formação socialista, estão prontos a colaborar com chamados dessa natureza, dispostos inclusive a viver com o mínimo de conforto. Tocantins, Estado da nossa região Norte, teve experiência exitosa com profissionais cubanos na década de 90, e viveu batalha judicial patrocinada por médicos descompromissados com a saúde pública. 

Enfrentamos - e falo assim por ser da base de governo, ex-prefeito e solidário aos prefeitos de Rondônia que vivem aflição diária com a situação - oposição estranha e virulenta. 

Lamento, e acredito que essa “guerra” ao “Mais Médicos” desperdiça a energia que todos deveriam destinar ao esforço de levar médicos para onde a população mais precisa. Energia que deveria ser empregada para melhorar o programa, com os bons argumentos de cada parte na contenda, e não para se deter nos embaraços judiciais sobre a questão. 

Sei também que se não fossem valorosos médicos e enfermeiros muitos morreriam em leitos vazios de tudo, menos da compaixão, mas é preciso reconhecer que a falta de profissionais nos rincões distantes das faculdades e centros especializados em Medicina não é apenas por conta da baixa qualidade de vida e ausência da oportunidade de aperfeiçoamento nesses lugares, mas também por causa da má formação. 

Não sou eu quem diz mas renomados especialistas da área: há temor em atuar nessas regiões porque a formação de nossos médicos é cada vez mais atrelada à alta tecnologia utilizada em exames sofisticados, inexistentes e, vale dizer, em muitos e muitos casos desnecessários, em boa parte do país. O SUS precisa de clínico, de quem sabe diagnosticar problemas como os velhos doutores do passado. 

Baixo salário também não é impedimento. Prefeitos de municípios pequenos, de pouca receita, aqui, no Amazonas, Acre ou Pará, pagam R$ 20 mil ou mais e não acham médicos. É como procurar agulha num palheiro, e são castigados pelo Ministério Público se deixarem sem médicos os postos de saúde. 

Certamente quem está em Marechal Thaumaturgo (AC), onde há 0,28 médicos por 1.000 habitantes ou Nova Mamoré (RO), com 0,35, segundo o Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (2011), reprova a posição do CFM, o mesmo valendo para pacientes que vivem o terror à porta de hospitais dos grandes centros urbanos. 

Pesquisa feita em 2011 pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) apontou que, para 58,1% da população entrevistada, o principal problema do SUS é a falta de médicos. Mesmo em regiões como São Paulo, Distrito Federal e Rio de Janeiro, onde a média nacional é superada, a realidade não condiz com um país que se apresenta como a sexta economia do mundo. 

Mas há quem insista em dizer que não faltam médicos, eles estariam apenas mal distribuídos porque resistem em trabalhar em lugares sem estrutura, equipamentos e medicamentos, uma realidade que passa pela necessidade sem dúvida de ampliar investimentos mas substantivamente pela qualificação da gestão. 

Na verdade, médicos estão em falta sim - nos últimos oito anos surgiram 147 mil postos de trabalho para esse profissional, enquanto os formados foram apenas 93 mil. Recentemente a Organização Mundial de Saúde (OMS) apontou que a média de profissionais para cada 10 mil pessoas no Brasil está abaixo da média do continente americano, e é bastante inferior ao dos países ricos. 

O “Mais Médicos” foca nas capitais, áreas em condições vulneráveis e precaríssimas de atendimento, como a Amazônia, o pobre Vale do Jequitinhonha (MG), Distritos Sanitários Indígenas e regiões metropolitanas, mas qualquer município pode se inscrever no programa. Porto Velho, Guajará-Mirim, Nova Mamoré, Ji-Paraná e São Francisco do Guaporé são as regiões prioritárias de Rondônia. 

Quem for trabalhar nos municípios amazônicos terá uma bolsa-formação de R$ 10 mil e três vezes esse valor para o médico participante se instalar na região escolhida. O governo, prefeitos e a sociedade acordaram para o problema. 

A curto e médio prazo ele precisa ser solucionado, e o sucesso do programa depende não apenas dos esforços dos Ministérios da Saúde e Educação, envolvidos na ação, mas também dos que estão na ponta. Fundamental é aplicar bem os R$ 15 bilhões anunciados para investimentos na infraestrutura de hospitais e unidades de saúde. 

A população cansou de tanto desvio de recursos no setor. 

Para concluir, o “Mais Médicos” precisa ir além do desafio de colocar médicos onde mais precisa. É imperativo impregnar a rede pública de saúde com solidariedade e honestidade, produzir gestão rigorosa capaz de revolucionar e reverenciar o SUS, deixando definitivamente para trás profissionais sem compromisso com o sistema, com atuação duvidosa, que deixam pacientes à espera, no horror da dor ignorada e no descaso que banaliza a vida no Brasil. 

*É deputado federal pelo PT, membro da Comissão de Legislação Participativa e coordenador da Frente Parlamentar de Apoio aos Povos Indígenas.

FONTE: http://www.tudorondonia.com.br/noticias/ser-e-ter-mais-medico-eis-a-questao-,38555.shtml